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19/08: UM DIA PARA LEMBRAR SERGIO VIEIRA DE MELLO - Revista Publicittà 19/08: UM DIA PARA LEMBRAR SERGIO VIEIRA DE MELLO - Revista Publicittà

19/08: UM DIA PARA LEMBRAR SERGIO VIEIRA DE MELLO

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O dia 19 de agosto foi instituído como o Dia Mundial da Ação Humanitária desde o atentado que matou Sergio Vieira de Mello e outros 21 trabalhadores da ONU que serviam no Iraque em guerra no ano de 2003. Dias antes, Sergio Vieira de Mello concedeu à jornalista Sônia Araripe, editora de Plurale em revista e Plurale em site, projeto co-irmão da Revista Publicittà, sua última entrevista. O relato de Sônia Araripe, escrito em agosto de 2013, quando se completaram dez anos da morte desse diplomata de carreira que dedicou a vida a conciliar os diferentes em busca da paz, continua vivo e atual.

 

 

POR SÔNIA ARARIPE/EDITORA DE PLURALE

Nunca cheguei a conhecer pessoalmente Sergio Vieira de Mello. Quis o destino que nossas vidas se cruzassem por uma só – derradeira e marcante – oportunidade. Jornalistas não costumam acreditar em sorte ou no destino. Eu acredito. Como explicar, então, que aquela longa e sincera entrevista concedida por telefone, de sua sala em Bagdá, durante cerca de 40 minutos, seria a última concedida por Vieira de Mello? Filho de diplomata e professora, sonhou ser possível trabalhar pelo fim de conflitos, buscando a paz e a união entre diferentes povos. O Alto-Comissário de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) era, sem dúvida, um grande conciliador. Dos melhores.

Quis o destino que eu fosse a portadora de suas expressivas e impressionantes últimas palavras. Reveladoras até mesmo para a família. Só para citar um exemplo, Dona Gilda Vieira de Mello nos contou que o filho, como ela, não era muito apegado à religião. Na entrevista, porém, ele disse, lembrando um dito popular, que, por ser brasileiro, Deus o protegia. Publicada em um domingo de agosto, dia 17 do ano de 2003, apenas dois dias depois, um atentado a bomba mudou os rumos desta história: a explosão de um carro bomba na sede da representação da ONU no Iraque matou não apenas Vieira de Mello, aos 55 anos, mas também outros 21 companheiros de trabalho. O que parecia um testemunho de crença na paz e na boa fé dos homens transformou-se em tragédia.

A primeira esposa de Sergio, a francesa Annie, junto a seus dois filhos, criou a Fundação Sergio Vieira de Mello, com o objetivo de homenagear os verdadeiros heróis que praticam trabalhos humanitários em diferentes regiões do mundo.

Estudos – Nascido em março de 1948, no Rio de Janeiro, Sergio trouxe no sangue, digamos assim, o gosto pelas questões do mundo. Seu pai, diplomata de carreira, serviu em diferentes cidades, como Roma e Frankfurt. Aos 18 anos, o jovem foi estudar Filosofia primeiro na Suíça, mas foi na Universidade Sorbonne, em Paris, que conclui a graduação e logo depois o Mestrado.

“Os meninos sempre foram muito inteligentes”, recorda-se Dona Gilda. Além de Sergio, ela também tem Sonia, tradutora juramentada de diferentes idiomas. Aliás, como cidadão do mundo, Sergio falava, além do português, francês, inglês, espanhol e italiano. Tiveram a quem puxar: além do brilhantismo do pai já falecido (que tinha especial gosto pela História), é a matriarca da família que ajudou a manter a família unida sempre envolvida com as grandes questões.

“Gosto muito de ler, me interesso por todos os temas”, conta à Plurale, Dona Gilda. Apesar da aparência frágil – “sempre fui magrinha”, conta – aos 83 anos, sua memória é impressionante. Voltando à carreira de Sergio, ela lembra que o brilhante aluno entrou na ONU como tradutor de francês, aos 21 anos. Depois foi galgando postos mais importantes: a primeira missão foi no Paquistão e depois seguiu uma carreira brilhante, mas sempre corrida, sem tempo até mesmo para a vida pessoal. Casou-se com Annie em 1973: tiveram dois filhos, Laurent e Adrian. Sergio não chegou a conhecer, mas, certamente teria orgulho ao saber que já seria avô.

Iraque – Quando sofreu o atentado no Iraque, Sergio estava praticamente separado e vivia uma intensa paixão há quase dois anos com a argentina Carolina Larriera, também funcionária da ONU, sua fiel escudeira em Bagdá. Se conheceram no Timor Leste, onde ambos serviam em busca da paz. Tinham a mesma missão e compartilhavam hábitos e rotinas: gostavam de praticar cooper, apreciavam música, liam livros de bons autores, mas, principalmente, dividiam o compromisso com o bem estar da humanidade.

Foi Carolina quem completou a ligação telefônica no dia marcado para a entrevista, nos atendendo, simpática e cordial. Após quase seis meses de tentativas frustradas, contando com a ajuda de amigos em comum de Vieira de Mello, a entrevista iria finalmente acontecer.

“Você me desculpe. É que o tempo é curto. E temos um trabalho intenso. Preciso ser breve”,justificou, cordial o entrevistado. Não foi breve. Logo de cara cometi uma gafe: chamei-o de embaixador. Ele corrigiu, explicando que não tinha seguido carreira no Itamaraty por um motivo forte: seu pai, embaixador, tinha sido cassado. Refeita da gafe, corrigi dizendo que nós, brasileiros, tínhamos orgulho de ter um “superembaixador” como ele, alguém que trabalhava pela paz, pela conciliação de forças sempre tão distintas.

Foi em clima descontraído que Vieira de Mello conversou durante o que me pareceram depois de transcorridos infinitos minutos. Explicou que o tempo era curto, pois tinha uma equipe da emissora de televisão árabe, Al Jazeera, aguardando ser atendida. Ponderei que eles poderiam esperar um pouco: afinal, aguardamos longos meses para conseguir aquela ligação. Ele riu. E foi respondendo, simpático e bem preparado todas as perguntas.

Felizmente, o que não é o meu costume, fiz um roteiro das perguntas. Isto ajudou a “cobrir” diferentes temas. Não só os corriqueiros, os da vida pessoal, mas também vários questionamentos que ajudaram a relatar como é a vida em um país devastado por anos sucessivos de guerras. O entrevistado contou, com detalhes, como era o trabalho neste verdadeiro campo minado. Literalmente. Não era missão nova para o experiente Alto Comissário da ONU. Antes de chegar à Bagdá – aceitando um pedido pessoal do amigo Kofi Anan, na época, secretário-geral da ONU – Vieira de Mello esteve em missões espinhosas como na África (Angola, Ruanda e Moçambique), no Leste Europeu (Bósnia e Kosovo), na Ásia (Cambodja) e mais recentemente no Timor Leste. Por onde passava deixava companheiros de estrada.

O então presidente do Timor, Xanana Gusmão, era um destes fiéis amigos. Fazia diferença não apenas pela capacidade de fazer estas pontes, de dissipar e solucionar conflitos, mas, acima de tudo, por faze-lo com grande simpatia. Se fosse preciso, driblava as regras rigorosas para resolver impasses: fez isso, por exemplo, na guerra da Bósnia, retirando pessoas de áreas de conflito, em seu carro. É o que relata a jornalista americana Samantha Power, autora da recente biografia “O Homem que Queria Salvar o Mundo” (Companhia das Letras).

Nos despedimos pelo telefone quase como “velhos” amigos. Certos de que um dia, em breve, iríamos ainda compartilhar, ao vivo, outras tantas histórias. Vieira de Mello não iria continuar em Bagdá por muito tempo: em 2004 estaria de volta à Genebra. Esperava voltar ao Rio para visitar a mãe, irmã e sobrinho.

No domingo, dia 17 de agosto de 2003, Dona Gilda, mãe de Sergio, leu a reportagem completa e se emocionou. Confessou, mais tarde, que sentiu um certo aperto no coração de mãe ao ler algumas palavras do filho. “Mãe sente”, revelou, algum tempo depois do atentado. Ela há muito tempo não via o filho, pouco afeito aos flashes da mídia e tão ocupado com o dia a dia, falar tanto. E de forma tão reveladora.

Carolina também, mais tarde, revelou que por pouco aquela entrevista não ocorrera. “O tempo era curto para tantas missões.” Na verdade, a missão no Iraque deveria ter sido apenas por alguns meses, talvez quatro ou cinco, mas acabou se estendendo por mais tempo do que o esperado.

Apenas dois dias após a publicação da entrevista, mal acreditei quando soube do atentado ao Hotel Canal, onde a equipe da ONU havia montado um verdadeiro quartel-general. Estava na redação do jornal e as imagens da CNN não deixavam dúvidas.

O atentado havia tirado a vida do meu novo herói, do meu novo/velho amigo, alguém que nunca teria a chance de conhecer pessoalmente. Mais difícil ainda foi ver a imagem de Carolina, desesperada, sobrevivente da tragédia. Sobrevivente do atentado, ainda totalmente empoeirada, ela gritava o nome dele.

Entre chocada e triste era preciso exercer a função de jornalista. Contar alguns detalhes antes não revelados na entrevista, procurar a família…. Relatar, noticiar. Assim tem sido desde então.

Conheci a família de forma mais dolorosa, no funeral. Depois os visitei, fiquei ainda mais próxima de Dona Gilda, mãe de Sergio, de seu sobrinho, André Simões e de Carolina. Nos falamos com frequência, Dona Gilda e André fizeram questão de comparecer no lançamento de Plurale em revista, em outubro de 2007. Carolina – que deixou a ONU, mas continua estudando e atuando na área de Direitos Humanos – sempre acompanha também nosso trabalho. Somos solidários na dor, na saudade e na vontade de manter o pensamento de Sergio vivo.

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