Susan Sontag morreu, aos 71 anos, no dia 28 de dezembro de 2004. Deixou como legado uma obra profunda, que mergulhou nas estranhas da vida americana, dissecando a podridão que as luzes da Broadway insistem em ludibriar. Foi crítica feroz da guerra e de George Bush e seu filho George W. Busch. Susan sempre soube que estaria do lado dos perdedores, dos marginalizados, dos descartáveis de uma sociedade injusta e cujos valores foram se perdendo no individualismo, com o verbo cada vez menos conjugado no plural.
Essa mulher que nasceu em Nova York, em 28 de janeiro de 1933, foi criada em Tucson, no Estado do Arizona, cursou filosofia na Universidade de Chicago e fez pós-graduação em Harvard. A mulher que se definia como fan´stica pela seriedade, nunca se deixou contagiar pelo brilho fácil dos salões literários ou intelectuais, sempre, quando podia, ia para o fronte da luta. Foi uma destemida ativista contra as guerras do Vietnã, do Kuwait, do Afeganistão, do Iraque. Criou enorme polêmica em 2001, quando após os atentados de 11 de setembro, que derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center responsabilizou os próprios Estados Unidos pelo terrorismo. Para Susan, aquela era uma resposta a política americana em relação a outros países e outras crenças. “Onde está o reconhecimento de que não se tratava de um ataque “covarde” à “civilização”, “liberdade”, “humanidade” ou ao “mundo livre”, mas de um ataque à única superpotência mundial, empreendido como conseqüência de alianças e ações específicas dos Estados Unidos?”, escreveu e ainda aarematou “Quanto à questão da coragem (uma virtude moralmente neutra), diga-se o que quiser sobre os perpetradores do massacre de terça-feira, eles não eram covardes.”
O artigo publicado na revista The New Yorker era uma prova, mais uma vez e de forma corajosa e contundente, da sua lucidez e seriedade. Os Estados Unidos, dizia, se delegou o poder de dono do mundo e criou imensos feudos de inimigos que, sem outro caminho e sem a possibilidade de diálogo, decidiram atacar o gigante que diariamente os ataca.
Foi com o livro “Notes on Camp”, onde corajosamente abordou em 1964, o homossexualismo na América, que essa mulher entrou para a galeria dos mais polêmicos e respeitados ensaístas da atualidade. Levou os pensadores da Escola de Frankfurt, como Walter Benjamin para o centro das discussões na América e se dispôs em ensaios, cada vez mais ácidos, a falar de arte. Em 2000, foi premiada pelo romance “Na América”, com o qual conquistou o National Book Award, o Oscar da literatura americana. Nesse livro, traçou um perfil mordaz da sociedade americana e de seus valores individuais. Outro romance, “A O Amante do Vulcão”, também foi recebido com entusiasmo pela crítica. Mas foram os seus ensaios e uma obra densa de 17 livros que a transformaram em personagem central e vivo da reflexão a que a sociedade americana teria de fazer para continuar seguindo em frente.
Susan nunca se distanciou do papel político e de ativista na América, enfrentando críticas e seguindo os mais rigorosos princípios de ética e justiça. Entre 1987 e 1989, presidiu à divisão norte-americana do Pen Club, uma aliança mundial de escritores, e defendeu com mordacidade o escritor Salman Rushdie contra a sentença de morte a que o aiatolá Ruhollah Khomeini decretou ao autor de “Os Versos Satânicos”. Um livro que nem é lá grande coisa, mas que despertou a intolerância de Khomeini para com releituras de Maomé, o profeta do islamismo.
Em 1993, foi para Sarajevo, demonstrar na prática e em loco a sua repulsa para com a guerra dos Balcâs. Os artigos, verdadeiros manifestos dessa incursões de Susan pelo mundo real foram publicados, em sua maioria, por revistas como The New Yorker, The New York Review of Books, The Times Literary Supplement, Art in America, Antaeus, Parnassus, The Threepenny Review, The Nation, entre outras.
Entre outros prêmios de sua carreira, a escritora recebeu o Peace Prize do German Book Trade e o Prince of Asturias Prize, ambos em 2003, o Jerusalem Prize (2001), o National Book Award, por “Na América” (2000), e o National Book Critics Circle Award pelo livro “Sobre Fotografia” (1978).
o seu legado é um soco no estômago e uma importante verve para enterdemos o mundo que criamos ao nosso redor e que assim vivemos agora.
Carlos Franco