Os três procuradores do Ministério Público de São Paulo, Cássio Roberto Conserino, José Carlos Guillem Blat, Fernando Henrique de Moraes Araújo, no documento em que pedem a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que por si só é um atentado ao Direito diante dos méritos pelos três apresentados, não atropelaram apenas as leis em vigor, mas cometerem grave erro histórico e filosófico ao trocarem Engels por Hegel.
As redes sociais não perdoaram tamanho erro. O que escreveram na página 173 do referido pedido de prisão preventiva virou piada e motivo de gargalhadas na Academia, inclusive entre páginas do Facebook criadas por profissionais do Direito. Afinal o alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) nunca poderia ter escrito obras de peso e relevância para a cultura ocidental e o entendimento da história e da filosofia em parceria com Karl Marx, que nasceu em 1818 e faleceu em 1883 e que teve como parceiro de trabalho, este sim, Friedrich Engels (1820-1895) com o qual assina livros e artigos.
Além do que, não são nada sutis as diferenças de pensamento entre a dupla Marx/Engels e Hegel. A Dialética de Hegel é uma ontologia, pois ele pretendeu enquadrar todas as coisas na categoria de racionalidade, de tal modo que sua Dialética é fechada e autocontida; enquanto que para Engels/Marx, a Dialética é um movimento que ocorre no mundo e um processo de elaboração de perguntas a respeito desse mundo mutável e transitório. Por favor, não confundir ontologia com odontologia – que me português claro é o estudo dos dentes, inclusive o dos equinos; pois ontologia segundo o aristotelismo, é a parte da filosofia que tem por objeto o estudo das propriedades mais gerais do ser, apartada da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral. Veja o parágrafo em que os procuradores comentem este grave erro histórico e filosófico:
(item 129) As atuais condutas do denunciado LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, que outrora chegou a emocionar o país ao tomar posse como Presidente da República em janeiro de 2003 (“o primeiro torneiro mecânico” a fazê-lo de forma honrosa e democrática), certamente deixariam Marx e Hegel envergonhados (sic).
Mais grave ainda: Lula nunca se posicionou – e dificilmente isso seria aceitável – como marxista, quem assim se auto-define academicamente é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
As memes nas redes sociais se multiplicaram como estas que você pode ver aqui:
O portal Tijolaço aproveitou o erro que se viralizou nas redes sociais para resgatar em suas páginas um conto do paulista Monteiro Lobato, que aqui reproduzimos:
O BURRO JUIZ
Por Monteiro Lobato*
Disputava a gralha com o sabiá, afirmando que a sua voz valia a dele. Como as outras aves rissem daquela pretensão, a bulhenta matraca de penas, furiosa, disse:
– Nada de brincadeiras. Isto é uma questão muito séria, que deve ser decidida por um juiz. Canta o sabiá, canto eu, e a sentença do julgador decidirá quem é o melhor artista. Topam? – Topamos! piaram as aves. Mas quem servirá de juiz?
Estavam a debater este ponto, quando zurrou um burro.
– Nem de encomenda! exclamou a gralha. Está lá um juiz de primeiríssima para julgamento de música, pois nenhum animal possui maiores orelhas. Convidê-mo-lo. Aceitou o burro o juizado e veio postar-se no centro da roda.
– Vamos lá, comecem! ordenou ele.
O sabiá deu um pulinho, abriu o bico e cantou. Cantou como só cantam sabiás, garganteando os trinos mais melodiosos e límpidos. Uma pura maravilha, que deixou mergulhado em êxtase o auditório em peso.
– Agora eu! disse a gralha, dando um passo à frente.
E abrindo a bicanca matraqueou uma grita de romper os ouvidos aos próprios surdos.Terminada a justa, o meritíssimo juiz deu a sentença:
– Dou ganho de causa à excelentíssima senhora dona Gralha, porque canta muito mais forte que mestre sabiá.
Moral da História:Quem burro nasce, togado ou não, burro morre.
*José Bento Renato Monteiro Lobato (1882 –1948), jornalista e escritor é um dos nomes mais consagrados da literatura brasileira e mundial, criador do Sítio do Pica-pau amarelo e de personagens marcantes como Pedrinho, Narizinho, a boneca Emília e o Visconde de Sabugosa, além do Jeca Tatu e outros que integram a galeria do imaginário popular em obras sempre revividas em programas de televisão e no cinema e constantemente revisitadas na Academia. O brilhante jurista Ruy Barbosa, o Águia de Haia, é um dos que citavam trechos de Lobato para enriquecer a sua retórica, para ser singelo, discursos e despachos no âmbito do Direito com “D” maiúsculo neste caso.