Uma crítica literária, Leyla Perrone-Moisés; um artista plástico escritor, Nuno Ramos e um cineasta também escritor, Nelson Motta, foram os roteiristas da mesa Nelson Rodrigues Ato 3, que às 10h abriu a programação de sábado da FLIP. Mediada pelo professor Marco Antonio Braz, a mesa ainda teve a participação à distância de Arnaldo Jabor, numa gravação que quase reviveu o escritor homenageado deste ano Jabor não poupou alegorias ao imitar a voz de Nelson para contar os episódios hilários que pontuaram a amizade entre os dois.
Leyla abriu a conversa lembrando uma famosa e picante anedota do escritor: Se a pior solidão é a companhia de um paulista, eu queria perguntar ao Nelson Motta o que dizer da companhia de três paulistas, disparou, referindo-se à ela própria..Eu nasci na Rua Frei Caneca, sou paulixxxta também, replicou o cineasta, que se mudou criança para o Rio de Janeiro, cidade do Jabor. Os dois garantiram momentos de animação da mesa, marcada pela análise densa da acadêmica e do artista-escritor Nuno Ramos.
A professora e crítica literária disse ter ouvido na FLIP que Nelson introduziu a fala coloquial da classe-média na prosa e no teatro. Logo, sua obra seria um retrato do Brasil em que viveu. O Nelson não pode ser reduzido a um documentarista, seria muito pouco. O diálogo é a forma discursiva mais freqüente no seu trabalho, mas ele não fez uma mera documentação das expressões. É uma fala artificial, mas no sentido de ser criado, de ser arte, artefato, explicou. A professora seguiu com análises do discurso do autor, expondo a maneira como o autor construía sua narrativa a partir de um diálogo repleto de interrogações.
O cineasta e cronista Arnaldo Jabor integraria também a mesa. Mas teve que declinar na última hora para assistir ao parto de seu primeiro neto. Mas enviou um vídeo cheio de citações hilárias sobre o anjo pornográfico. O Nelson era um grande equivocador. Ele me dizia que o Marx era uma besta, o Freud um débil mental… e eu vivendo toda aquela certeza marxista. Depois ele concluía: O homem é de classe média, o ser humano é de classe média. Por isso mesmo o Nelson descobriu o irrisório, o óbvio, a poesia do cafajestismo, da mediocridade brasileira, disse Jabor.
Nuno Ramos disse que Nelson foi a bossa nova às avessas. Ele tinha uma fixação pelo arcaico, um repúdio até pelo cosmopolita. O Nelson funciona como uma espécie de âncora. Suas histórias são sempre sobre o chefe e o contínuo, o rico e o pobre, o vestido branco e o preto. Sua obra é rica porque os personagens mudam de papel. Logo a donzela é má e a puta é a boa da história, argumentou.
Nelson Motta fala da influência de Nelson em toda uma geração de intelectuais, de uma forma um tanto quanto sui generis. O Rio era uma caretice total quando eu era rapaz. Um garoto de 15 anos nunca tinha visto uma mulher pelada, nem ao vivo nem por uma revista. O máximo eram umas revistas naturistas suecas, que hoje são um anti-tesão. Aí veio o Nelson, com A vida como ela é, com o cara pegando a cunhada… Foi a nossa educação sentimental, confessou
Segundo o xará do escritor, Nelson mostou que o Brasil é o narciso às avessas, que odeia a própria imagem. O cineasta ainda contou como eram suas idas ao Maracanã para assistir as partidas do Fluminense. O Nelson era cegueta, nem conseguia ver quem tinha feito o gol. Ele via o seu próprio jogo. Suas crônicas esportivas falavam de imoralidades, de mitos e nem sempre de futebol. Numa mesa redonda, discordando de um impedimento, alguém falou: Ô Nelson… foi impedimento sim, olha aí o vídeo tape. Ele só disparou: O video tape é burro. Este foi Nelson Rodrigues.