De 21 de outubro a 25 de novembro, o Itaú Cultural apresenta a quinta edição do Portfólio, que volta a ter a curadoria do jornalista e fotógrafo Eder Chiodetto – responsável pelas mostras de 2006. A exposição traz o trabalho do paraense Alexandre Sequeira, numa espécie de pacto com a memória e a história dos moradores de Nazaré do Mocajuba, uma vila do Pará, perdida no tempo e no espaço. O artista reproduziu as imagens deles, em tamanho real, nos tecidos que permearam as suas vidas – fazendo às vezes de porta, toalha de mesa, lençol, rede.
“As questões mais centrais da arte em geral e da fotografia em particular, sobretudo na pesquisa de campo, tratam de como representar o outro deixando que ele se comunique sem a imposição da câmera ou simplesmente pelo olhar do fotógrafo”, observa Chiodetto. “Escolhi a obra de Alexandre Sequeira porque ela traz essa solução poética, em uma espécie de comunhão entre arte e antropologia”.
São 10 fotografias, cujos suportes são cortinas, lençóis e um mosquiteiro entre outros. A mostra também traz uma tela de cristal líquido para a exibição de um slide-show de imagens que revelam a paisagem da vila e o cotidiano de seus habitantes. A trilha sonora é composta por 36 horas de fragmentos sonoros captados pelo fotógrafo na localidade – sussurros e comentários, o canto do galo, o som do motor da barca, da água do rio, dos pássaros e das folhas. As imagens são acompanhadas de um conto inédito da escritora carioca Bruna Beber, indicada pelo escritor Nelson de Oliveira para escrever o texto tendo como inspiração esse trabalho.
O fotógrafo conheceu há 10 anos a pequena vila com cerca de 200 habitantes, a 150 quilômetros de Belém, à beira do rio Mocajuba. Luz e televisão chegaram lá somente neste milênio, o que deu à localidade o ar nostálgico de uma geografia congelada no tempo. Desde então, ele tem fotografado sistematicamente o lugar e seus habitantes até chegar a essa solução artística. O caminho para esse trabalho foi aberto pelo pedido de uma moradora que precisava de um retrato seu para um documento. “A partir desse momento veio uma avalanche de pedidos dessas pessoas, que raramente se viram em um registro fotográfico”, conta Alexandre transformado no retratista da vila.
“As pessoas pediam para serem fotografadas ou vinham me mostrar fotos antigas, que eu levava a Belém para serem restauradas”, recorda ele contando que depois pendurava as imagens em varais em uma das duas ruas de terra do vilarejo. Criou-se intimidade entre retratados e retratista e as portas de suas casas foram abertas. Desse modo, ele pôde observar as cortinas de tecidos velhos, desgastados e esgarçados, que faziam o papel de porta, e as imagens que tremulavam nelas com a passagem das pessoas na contraluz.
“Resolvi fotografá-las e fazer a ampliação em tamanho real transpondo as imagens para fotolitos e trabalhando a reprodução em serigrafia”, conta. Os primeiros a verem o resultado foram os próprios moradores. “Nunca imaginei que minha cortina fosse tão parecida comigo”, exclamou dona Benedita ao ver-se retratada no antigo tecido de sua casa.
“Mais que atestar a presença das pessoas em um determinado lugar, as peças reapresentam, entre estampas, manchas acumuladas e a serigrafia sobreposta, delicadas tramas que falam de identidade e memória, esta última indelevelmente associada ao tempo”, analisa Chiodetto. Ele descobriu esse trabalho em fevereiro, quando foi a Belém para acompanhar a mostra do Portfólio Itinerante com 25 auto-retratos do artista manauara radicado no Recife Rodrigo Braga. Na ocasião, o curador permaneceu na cidade para fazer a leitura de portfólios de artistas locais, com a orientação do núcleo de artes visuais do Itaú Cultural para que o selecionado tivesse a sua obra exposta na instituição na capital paulista.
Portfólio
O projeto Portfolio é uma reedição do bem-sucedido Mezanino de Fotografia, realizado durante dois anos no Itaú Cultural. A idéia amadureceu e o projeto ganhou um espaço maior, mais amplo e com mais visibilidade, passando do segundo mezanino para o piso térreo da instituição e também começando a itinerar. Em 2006, as exposições tiveram curadoria de Eder Chiodetto. Ele escolheu os jovens artistas Helga Stein e Rodrigo Braga, que expuseram trabalhos com o tema “auto-retrato”. Seguindo o padrão de itinerar como as fotografias por outras cidades do país – no ano passado, a mostra de Rodrigo Braga também foi apreciada em Belém, no Pará -, e, em maio, a exposição de 94 fotografias da série Andros Hertz, de Helga Stein, foi vista em Natal, no Rio Grande do Norte. Neste ano, as mostras foram do colombiano Daniel Santiago e do coletivo Cia de Foto, com curadoria de Eduardo Brandão.
O curador de fotografia
Ede Chiodetto é jornalista, fotógrafo e curador de fotografia do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Trabalhou 13 anos no jornal Folha de S.Paulo, onde exerceu a função de editor de fotografia. É autor do livro O Lugar do Escritor (CosacNaify, 2003), um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2004. No mesmo ano realizou, em parceria com a arquiteta Marta Bogéa, a curadoria da exposição Derivas, na Galeria Vermelho. Em 2005 idealizou e organizou o ciclo de palestras FotoPalavra, no Itaú Cultural, ao qual se seguiu o lançamento da coleção de livros Fotoportátil (CosacNaify), sob sua coordenação editorial. Em fevereiro de 2006 realizou a curadoria da mostra Veracidade, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
O curador do texto
Nelson de Oliveira nasceu em 1966, em Guairá, São Paulo. Escritor e doutorando em letras pela Universidade de São Paulo, publicou os livros de contos O Filho do Crucificado (2001, também lançado no México) e Algum Lugar em Parte Alguma (2006), o romance A Maldição do Macho (2002, publicado também em Portugal) e o volume de ensaios Verdades Provisórias (2003), entre outros. Em 2001 organizou a antologia Geração 90: Manuscritos de Computador e, em 2003, Geração 90: os Transgressores, com os melhores prosadores brasileiros surgidos no fim do século XX. Dos prêmios que recebeu destacam-se o Casa de las Américas (1995), o da Fundação Cultural da Bahia (1996) e duas vezes o da APCA (2001 e 2003).
A autora do conto
Bruna Beber tem 23 anos, é carioca e vive em São Paulo há dois meses. Formou-se em comunicação social (publicidade) em 2005. Trabalha no departamento de internet (websurfing) de uma agência de marketing de guerrilha. Publicou em 2006 seu livro de estréia, A Fila sem Fim dos Demônios Descontentes (poemas), pela editora 7 Letras. Colaborou com diversos sites e revistas impressas de literatura, poesia, música e internet: Portal Literal, Paralelos (revista virtual e blog), Bala, Escritoras Suicidas, A Máquina do Mundo, Latin.Log, Capricho e Entrelivros. Já teve seus poemas publicados na Alemanha e no México. Edita o blog Bife Sujo (http://badtrip.com.br/bifesujo/) e o poetrycast Mike.