Os argentinos têm paixão por mulheres ligadas ao poder. Foi assim como Eva Péron, a Evita, com Isabel Péron, a Isabelita, e, agora, com Cristina Fernández de Kirchner, a mulher do presidente Kirchner, eleita presidente no final de outubro. Assim, como no Brasil, a Argentina vive momento de expectativa e necessidade de inclusão social. A diferença é que o país vizinho tem uma classe média muito mais consolidada, resultado de uma melhor distribuição de renda. A Argentina, ao contrário do Brasil, não fez uso de mão-de-obra escrava durante a colonização, o que criou ambiente para a melhor valorização do trabalho. Com isso, é um país onde a população cobra com muito mais força e violência os seus direitos. O que não diminui em nada os desafios de Cristina, como se pode ver nessa entrevista e nos cometários do brilhante cineasta Fernando Solanas à Agência Brasil.
Agência Telam
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Buenos Aires – Em entrevista à rede de televisão argentina TN, a presidente eleita da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, afirmou que pobreza, desemprego, educação, saúde, o que está relacionado com melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, serão as prioridades.
Cristina Fernández disse que para que haja diálogo faz falta algo mais que um governo disposto, mas que os meios de comunicação tenham um discurso em acordo com a realidade e os empresários e sindicalistas devem participar para que haja acordos de consensos mínimos.
Sobre a segurança, Cristina Fernandez disse que não concebe o tema com um plano diferente do que tem a ver com o modelo econômico vigente. Um plano de segurança com uma taxa de desemprego de dois dígitos, uma Argentina com desempregados é insegura por definição.
É evidente que vai haver uma inclinação natural de quem não tem trabalho para entrar no mundo do crime. Portanto, a primeira questão é sustentar um modelo econômico e de desenvolvimento social que permita a mais gente ter trabalho mais bem remunerado, indicou.
A visão de Solanas
Julio Cruz Neto
Enviado especial
Buenos Aires (Argentina) – O cineasta Fernando Solanas surpreendeu na eleição presidencial argentina do último domingo (28). O autor de Memória do Saque e Tango – O Exílio de Gardel entrou na vida política há 15 anos e alcançou, nas últimas eleições presidenciais, um desempenho superior ao que apontavam as pesquisas, terminando em quinto lugar entre os 14 candidatos, com 1,6% dos votos. Ele garante, entretanto, que não foi uma surpresa.
“Sabíamos que havia um vazio porque os candidatos e partidos se converteram para centro-direita e direita”, afirmou Solanas em entrevista exclusiva à Agência Brasil. Segundo ele, a segunda colocada na eleição, Elisa Carrió, é um exemplo disso.
Candidato pelo Proyecto Sur, Solanas aponta que nenhum dos três políticos mais bem votados (Carrió, Roberto Lavagna e a vencedora Cristina Kirchner) questionou a “essência do modelo neoliberal, o escandaloso regime de privatização de petróleo, gás e minérios”, que segundo ele foi intensificado no governo de Néstor Kirchner.
“O sinal distintivo da América Latina é recuperar os recursos minerais para melhorar a situação do povo”, declarou. “Somos os únicos que pleiteamos isso. Fizemos uma grande eleição porque, em apenas dois meses de campanha e sem recursos, colocamos esse tema no debate”.
O plano, a partir de agora, é construir um “grande movimento” para “chegar forte em 2011”, quando será eleito o substituto de Cristina Kirchner, se ela não for reeleita. Na opinião dele, o movimento poderá se beneficiar com a falta de coesão das outras forças políticas. “Há um eleitorado muito móvel, que não está cativo”.
Solanas não acredita que, em 2011, a família Kirchner esteja tão poderosa a ponto de Cristina se reeleger ou Néstor voltar ao poder. Ele não acredita na consolidação de uma “dinastia” da qual se fala na Argentina.
“Não há espaço para tanto, porque Cristina está arrastando o pior do Partido Justicialista [Peronista]”, avalia, referindo-se aos “caciques de Menem” dos arredores de Buenos Aires, região de baixa renda que rendeu a Cristina boa parte de seus votos e onde, segundo diversos candidatos opositores, houve fraude, com roubo de cédulas eleitorais. Solanas concorda.
“A fraude que houve foi espetacular. Roubaram cédulas, nos roubaram de dois a três pontos”, acusa. Para ele, seu país está “muito mal” em termos institucionais, “uma vergonha”, ele resume.
Sobre o Brasil, Solanas diz que está mal informado. Com relação ao Mercosul, ele afirma não estar animado. Acha que “faltam grandes projetos de integração” e que iniciativas como Banco do Sul, Parlamento do Mercosul e integração energética caminham em ritmo lento.
Solanas acha que a integração regional não é uma prioridade real de Néstor Kirchner, embora faça parte de seu discurso. “Kirchner é da raça dos justicialistas ultra pícaros, mentirosos”.
Antes de voltar à carga com o projeto político da próxima eleição, Solanas vai se dedicar à velha profissão e finalizar seu novo filme, sobre o funcionamento dos serviços públicos. Chama-se Los Hombres que Están Solos y Esperan
Cristina disse ainda que o combate ao uso de drogas está vinculado à educação e à saúde. A droga está em todos os setores e se torna um problema maior para quem tem menor poder aquisitivo, que, para conseguir a droga, entra para a criminalidade, pontuou.
Sobre o sistema de partidos políticos, a presidente eleita opinou que é possível dar um realinhamento dos partidos, mas sem que eles percam a identidade. Vai haver um lento realinhamento. Houve uma diáspora do partido radical e a formação de vários partidos pessoais. Nós não renegamos a nossa identidade peronista, sempre me senti parte do peronismo. Eu não digo justicialista, eu digo peronista, uma experiência de história de gerações, sublinhou.
Ela também destacou que a Argentina já se situou novamente no contexto latino-americano. Saímos de casa crendo que éramos sócios dos grandes, mas definitivamente alguém é sócio dos grandes não por declarações políticas, mas por volume econômico. Temos um papel a cumprir na América Latina, para ter mais identidade, mais complementaridade e, dessa maneira, nos relacionarmos com outros blocos, finalizou.