ÁGUA E MEMÓRIA SEGUNDO FREDERICO DALTON

“Águas de Março” é uma canção sobre o fim de uma longa fase de depressão. O “verão” que elas vêm fechar é o sufoco de se ter vivido num deserto tão vasto que, por mais que se tentasse, todas as suas fronteiras teriam permanecido inalcançáveis. Por isso, avistar “o fim do caminho” já é uma imensa conquista. Mas geralmente emergimos deste sofrimento aos frangalhos. E ao invés de conseguir elaborar parágrafos, o máximo de que somos capazes é balbuciar palavras: “É pau… é pedra”.

Não consigo esquecer de um jovem que vi num ônibus. Sentado na fileira do lado, ele falava incessantemente ao celular. Junto dele, dentro de uma caixa lacrada, havia um filtro de água, que ele devia estar indo instalar em algum apartamento da Zona Sul. Finalmente sua ligação terminou e vi que o rapaz agora tentava enxugar com as mãos as lágrimas que não paravam de descer em seu rosto. As lágrimas, o filtro, a água… A marca do filtro era Europa. E ele agora está instalado permanentemente em minha memória.

Lucília conheceu Sven no Carnaval. Ela de Olaria. Ele de Oslo. Transaram num hotel da Lapa. Como muitos turistas no verão, Sven carregava uma garrafa de água mineral, que ele deixou quase cheia numa cadeira. Ao saírem do hotel em direção ao caos dos Arcos, Lucília pediu a garrafa. Mas não bebeu nada. Lembrou-se do copo d’água que seus pais deixavam atrás da porta para absorver as energias do ambiente. Sven vai embora depois do Desfile das Campeãs. Mas Lucília vai guardar a garrafinha com os fluidos daquela noite para sempre.