Em O atirador de ideias, primeiro romance de Adilson Xavier, presidente e diretor nacional de criação da Giovanni+DraftFCB e diretor conselheiro da ABP, Associação Brasileira de Propaganda, a criatividade da narrativa alia-se à profundidade dos personagens. “As oportunidades, assim como as ideias, estão o tempo todo circulando por aí, à espera de quem as enxergue. Quem vê primeiro, surpreende todo mundo e acaba ganhando a fama de imprevisível. Oportunidades sempre chegam de surpresa, mas, com alguma intuição, é possível prevê-las”, sugere o autor. Adilson Xavier, publicitário ganhador dos mais prestigiados prêmios da área e autor de O Deus da criação – uma visão teológico-criativa religiosamente publicitária, publicado em 2007 pela Ed. BestSeller, conta que o romance surgiu a partir de uma conversa sobre o nascimento dos projetos. Em O atirador de ideias, a necessidade de criar, o amor paterno e a paixão pelo circo se fundem para narrar a trajetória de um protagonista muito peculiar. “Ele é a síntese de minhas observações”, revela Adilson.
“Todos aclamavam a incrível perícia e autoconfiança do artista, sem desconfiar de que estavam aplaudindo uma interminável sucessão de erros. O atirador de facas era um Guilherme Tell às avessas, seu sucesso consistia em fracassar constantemente.” No que você pensou primeiro, na história de José Espínola ou esta veio a partir da reflexão sobre o ofício de um Atirador de facas? Como surgiu o romance O atirador de ideias?
Começou quando alguém me perguntou sobre como nasceu a ideia do meu primeiro livro, e a conversa evoluiu para o nascimento das ideias em geral. Senti que o tema era bom, despertava a curiosidade. Eu já estava planejando escrever sobre um personagem que nos comovesse por sua simplicidade, um cara comum, de coração puro, com uma vida aparentemente desinteressante. Aí as duas coisas se conectaram. Enquanto desenhava na cabeça o perfil do personagem, pintou um conto sobre atirador de facas, sem mais nem menos, espécie de recreio do cérebro para fugir do peso do romance. O conto saiu inteiro, de uma vez só, curtinho, parecia estar arquivado na memória à espera do download. Quando criança, eu curtia muito ir ao circo, isso deve ter trabalhado em silêncio no meu inconsciente. Terminado o conto, tudo se encaixou. Aquele conto seria a obra central do meu personagem. Era só criar o antes e o depois do conto.
“Vamos encontrá-lo num momento iluminado de sua vida. É aquele sujeito ali, de bermuda clara e t-shirt azul parado na esquina da Ataulfo de Paiva com a Aristides Espínola, admirando a sinalização com o nome da rua como se fosse um asteróide recém-caído.” José Espínola, o baiano protagonista da história, é um personagem aparentemente comum, mas que ao longo da narrativa revela características extremamente singulares. Alguma cena ou pessoa da vida real serviu-lhe de inspiração? Como foi a construção desse personagem?
Meu avô era baiano, tenho bons amigos baianos, curto o jeito baiano de ser. Também presto muita atenção aos trabalhadores humildes que vêm do Nordeste, tentando a sorte na cidade grande. São pessoas admiráveis, que se atiram destemidamente em busca de seus sonhos. Porteiros, empregados domésticos e garçons são espectadores privilegiados da vida das classes mais favorecidas. Imaginar o que eles imaginam é um exercício riquíssimo. José Espínola é a síntese de minhas observações.
Tanto José Espínola quanto o próprio narrador parecem ter em comum o fato de estranharem banalidades e atitudes corriqueiras, do cotidiano, dedicando-lhes um olhar sensível e peculiar que possibilita a recriação de uma realidade. É esse o objetivo da arte, recriar a realidade?
Entendo que o objetivo da arte é aguçar a sensibilidade das pessoas. A ficção não recria, apenas ressalta o que existe de mais real naquilo que chamamos de realidade.
“O imprevisível aumenta as chances do possível, às vezes torna possível o que a maioria acha impossível. Por isso, ele é inimigo do provável e do improvável, que são o que tem de mais racional na cabeça duma pessoa.” Afirma o sábio Agenor, personagem que “fala em negrito”, pai de José Espínola. As grandes oportunidades encontram-se no imprevisto?
As oportunidades, assim como as ideias, estão o tempo todo circulando por aí, à espera de quem as enxergue. Quem vê primeiro, surpreende todo mundo e acaba ganhando a fama de imprevisível. Oportunidades sempre chegam de surpresa, mas, com alguma intuição, é possível prevê-las.
Agenor, homem humilde e cuja sabedoria se fez mais a partir da prática do que da teoria, aposta e investe no filho com grande amor paterno. Ele é quem faz com que José Espínola acredite em si e busque o que a maioria acha impossível. É essa a função paterna, incentivar a realização de sonhos e ideias para que os filhos possam, como diz Agenor, “ser alguém”? O ideal de pai está em baixa no mundo hoje?
A função paterna anda meio em baixa, sim. O foco tem recaído mais no papel de provedor do sustento físico, do que no de inspirador. A missão principal de ajudar o filho a desenvolver seus potenciais e ser uma pessoa melhor, infelizmente, tem sido relegada ao segundo plano, quando não totalmente esquecida.
Você cita importantes obras, personagens e escritores das literaturas brasileira e mundial como a cadela Baleia, de Graciliano Ramos, o romance A caverna, de José Saramago e o escritor colombiano Gabriel Garcia Marques. Ler faz ter ideias? Quais os escritores e obras que mais influenciam a sua escrita?
Sem dúvida, ler é um fantástico ativador da criatividade, aumenta o repertório de onde brotam as ideias. Adoro desde Machado de Assis, Saramago, Garcia Marquez, Fernando Pessoa, Drummond, Graciliano, Veríssimo, Kafka, Borges e Cortázar, até Luiz Ruffato, Antonio Torres, Rosa Montero, Paul Auster, Gonçalo Tavares e Marcelino Freire. É gostoso curtir a diversidade de talentos e estilos. Para não ser injusto com as obras que me influenciam (são muitas), prefiro eleger a única que li duas vezes pelo simples prazer de revisitá-la: Cem anos de solidão.
Um personagem que trabalha com criação em uma grande agencia de publicidade, o amor paterno, uma professora que oferece ao protagonista um rico universo intelectual… Há algo de autobiográfico nesse romance?
Há experiências pessoais repartidas entre vários personagens, e algumas homenagens particulares. Mas nada de autobiográfico. O que mais me aproxima do José é a relação intensa, quase de tietagem, com meu pai que, a exemplo de Agenor, sempre me incentivou e facilitou a realização de meus sonhos. A personagem da professora foi inspirada em minha esposa, que se dedica ao ofício de ensinar com uma paixão emocionante. Mas nunca tive a honra de ser aluno dela, pelo menos não na sala de aula (risos).
“– Depois, eu quero que tu me escreva sempre que sentir que precisa falar comigo.
-Mas vai demorar tanto tempo assim?
– Só me diz que vai escrever quando precisar. Mesmo que não tenha jeito de mandar a carta.”
E você, a quem se dirige quando escreve? Imaginar um leitor ameniza a solidão da escrita? Como é o seu processo de criação?
Quando escrevo, falo junto, pra não perder o ritmo. E imagino um leitor/ouvinte desconhecido, que também é um personagem, a quem atribuo um grau x de referências culturais. O que ameniza a solidão da escrita é o prazer de sentir as frases se encadeando. Meu processo de criação se assemelha à minha relação com os exercícios físicos. Malho, repito, insisto até cansar. No dia seguinte, retomo, avalio, modifico, e assim a coisa vai, até o ponto em que os defeitos escasseiam. Há dias em que a disposição é maior, outros em que o rendimento é fraco, mas a persistência é o que dá musculatura. Nos intervalos, me abasteço com livros, revistas, jornais, cinema, teatro, música, arte em geral, e o olho sempre ligado no que acontece na rua. É um permanente estado de alerta. Cansativo, mas delicioso.
Em O Deus da criação, publicado em 2007 pela Ed. BestSeller, você também aborda questões relativas à criatividade, porém de forma mais humorística do que em O atirador de idéias. O que mudou em sua escrita de lá para cá?
O Deus da Criação é uma tese. Tem muita pesquisa, muita análise. O humor desempenha papel essencial no livro, ameniza a densidade da informação, descontrai e sinaliza meu entendimento de que religião e comunicação estão intimamente ligados. Não creio que minha escrita tenha mudado. Espero apenas que tenha se aperfeiçoado pelas lições que o tempo nos proporciona. No mais, é só uma questão de adequação à temática do livro.
“Para estar junto, não é preciso estar perto, e sim do lado de dentro.” A citação de Leonardo da Vinci no fim do livro faz com que nós, leitores, possamos nos deparar com a cumplicidade que criamos, ao longo de seu romance, com os personagens e seus universos. Em O atirador de idéias, a criatividade da narrativa aliada à profundidade dos personagens sugere que novos romances estão por vir? Quais são os seus próximos planos na literatura?
Já estou escrevendo um novo romance, totalmente diferente do Atirador. Outro estilo, outro tema, outra dinâmica. Sou fascinado pelas possibilidades de narrativa, e quero explorar isso ao máximo.