Foi porque eu estava entre dormindo e acordado que consegui ver meu Anjo da Guarda. Ele se constrangeu e logo escapou, mas pude captar algo essencial sobre ele, algo que num instante esclareceu inúmeras questões sobre mim: ele é estrangeiro. A nacionalidade eu não sei. Mas a cor da pele, a maneira de se vestir, o formato do rosto, tudo indica que ele é estrangeiro. Agora entendo minhas dificuldades de relacionamento, meu interesse pelos refugiados, pelos gringos, pelos idiomas diferentes, minha sensação de não pertencer. É porque meu Anjo da Guarda é estrangeiro.
Aconteceu naquele momento de súbita cegueira, quando desci de um ônibus gelado e do lado de fora fazia um calor do cão. Se eu tirasse os óculos agora totalmente embaçados eu estaria sujeito à minha miopia. Um instante antes de eu me desesperar, alguém segura minha mão. Então fico onde estou. E para quem me visse assim (meu passo congelado e olhos que pouco a pouco vão se revelando através das lentes dos óculos), eu poderia parecer fascinante ou aterrador. Mas eu fazia o que o dono daquela mão me mandava. Porque inexplicavelmente eu sentia que ali estava o meu Anjo da Guarda.