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Encontro de titãs

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Dois dos maiores autores contemporâneos, amigos e cúmplices em quase tudo. A mesa protagonizada na última quinta, às 19h, por Nadine Gordimer e Amós Oz revelou a intimidade, respeito e dedicação apaixonada à literatura. Prêmio Nobel de Literatura, Nadine parecia aconselhar o irmão mais novo enquanto Oz escutava com uma atenção fraternal, rebelando-se hora ou outra com intervenções que levavam o público quase sempre às gargalhadas. Pudera: a sul-africana Nadine é filha de um judeu e Oz o mais respeitado escritor de Israel, lugar conhecido por produzir irreverentes personagens dedicados a rir de si mesmos.

Oz abriu a mesa lendo sua obra De Amor e Trevas, em que retrata a incrível indecisão dos pioneiros israelenses entre comprar um queijo mais caro de um kibutz ou um mais barato feito pelos vizinhos palestinos. O que fazer entre um produto mais caro e de acesso mais difícil e outro produzido há poucos quilômetros mas considerado estrangeiro? “Eu tento quebrar os limites entre a comédia e a tragédia”, contou Oz explicando que a situação descrita no trecho de Amor de Trevas seria cômica se não revelasse a trágica divisão que alimenta a incessante e sangrenta guerra que divide palestinos e israelenses.

Nadine leu o primeiro capítulo do seu De Volta à Vida, a história de um homem que se descobre com câncer. Trata-se de uma questão também trágica e até cotidiana, mas bem diferente daquela tratada por Oz e dos temas abordados anteriormente pela própria Nadine, conhecida por sua crítica mordaz ao triste dia-a-dia sul-africano nos tempos do Apartheid.

Depois das leituras veio a conversa. O mediador Ángel Gurría-Quintana quase foi alijado de sua função, dado o fantástico entrosamento dos escritores. Ambos discutiram a opção política de boa parte de sua literatura: “Eu nunca quis escrever sobre o Apartheid, mas eu vivia aquilo, e isso se tornou uma questão existencial para mim”, confessou Nadine. Oz emendou afirmando que seus livros são odiados por boa parte dos israelenses, devido ao tom crítico de suas obras. Mas ele não parece se importar: “Os israelense geralmente lêem livros para ficarem com raiva, não para se divertir”. A reação divertida da platéia foi inevitável. Mas depois do riso, veio a mensagem militante: “A existência de dois estados (Israel e Palestina) é elementar e não há maneira de que vivam juntos e felizes….”

Nadine disse que agora pode se dedicar a outros temas, desde o fim do Apartheid, nos anos 90. Oz não tem a mesma sorte. O escritor chegou a participar no front da Guerra dos Seis Dias (1966), mas o tema continua intocado pelo autor. “Você deveria escrever sobre isso Amós”, recomendou Nadine. “Você tem de tentar. Nós temos de ouvir isso de você, faz parte de você”, insistiu. “Nadine… eu até tentei, várias vezes, mas é impossível”, respondeu Oz. “A experiência num campo de batalha é tão excepcional, que ultrapassa todos os limites. Para você entender o que eu estou falando vou te contar uma história: quando eu estava na linha de tiros dos egípcios, eu não senti vontade de atirar neles, nem de fugir. Tive vontade de chamar a polícia!”. Gargalhando, Nadine pareceu aceitar resoluta a explicação de Oz.

A pauta da conversa como só poderia acontecer com dois escritores universais de refinado e militante humanismo, ultrapassou os limites da guerra, apartheid e conflito entre árabes e judeus. Nadine admitiu: “Não gosto de livros de memória e eu não vou escrever o meu. Minha vida particular pertence só a mim. Além disso, tem todos os seus amigos, gente íntima sua que invariavelmente vai entrar na históra….”. Oz logo replicou: “Olha Nadine… eu acho que você poderia escrever suas memórias e trocar os nomes de todos os amigos. E mesmo que você os descreva da forma mais fiel possível, o ego do ser humano é tão grande que eles ao lerem o seu texto nem vão se reconhecer mesmo….”, brincou.

Sobre a criação de seus personagens, Nadine contou que escuta vozes (não literalmente). “Cada personagem se constrói a partir de uma voz diferente, que vai determinar o espaço, o tempo e mesmo se a narração vai ser em primeira ou terceira pessoa”, disse. “Com dezesseis anos eu escrevi a história de um homem e de seu neto. Como eu consegui descrever os sentimentos de um velho senhor eu não sei, mas o fiz”. A opinião foi compartilhada por Oz, famoso pela densidade de seus personagens femininos.

Antes de finalizar, ambos voltaram à política. “Eu cresci rodeada por brancos e estudei numa escola de brancos. Na biblioteca que eu freqüentava somente crianças brancas retiravam livros. Então um dia eu pensei: se eu fosse uma criança negra, eu não teria me tornado uma escritora”, concluiu Nadime, explicando a sua luta contra o apartheid. A escritora ficou conhecida como a “Consciência da África do Sul” e teve vários de seus livros censurados no país natal.

O ainda militante Amós Oz, que levou há semanas atrás o prêmio Príncipe de Astúrias, foi mais conciso ao expressar sua descrença nos governantes de seu país. “Todo dia eu caminho de manhã pelo deserto, que fica a apenas cinco minutos da minha casa. Às vezes eu vou ouvindo o rádio e os políticos ficam falando e falando, repetindo que as coisas são para sempre, para toda a eternidade e tal…. Aí eu olho para as rochas e penso: estas pedras estão rindo destes caras”.

 

 

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