Carlos Franco
Num espaço aéreo concentrado como o brasileiro, com as grandes rotas praticamente divididas entre TAM e Gol, há, depois de dois acidentes fatais, uma outra disputa no ar. Uma verdadeira guerra de dossiês bem longe do céu de brigadeiro com que tanto sonham os pilotos e bem mais próxima da lama, de um mar de lama onde florescem interesses vis, tasnto empresariais como políticos.
Assessores e lobistas estão a postos hoje para oferecem denúncias que venham a atingir uma ou outra companhia aérea, com a certeza de que, assim, envolverão por densa cortina de fumaça responsabilidades e fatos que possam comprometer marcas e reputação. Os jornalões, lamentavelmente, embarcam. Acabam por se considerarem beneficados com informações sigilosas, depoimentos de origem duvidosa, que lhes chegam por meio de assesores e lobistas empenhados que estão em buscar esqueletos da empresa A ou B. E, assim, tirar do foco a culpa, diminuí-la. É como se alguém afirmasse: Eu roubei, mais foi um real, o que não é nada”. E dentro deste raciocínio pudesse completar que pior foi o fulano que roubou R$ 1 bilhão. Como se o roubo, seja de R$ 1 ou de R$ 1 bilhão, não encerrasse em si o mesmo e simples delito: o roubo.
O palco da CPI do Apagão Aéreo ganha espaço neste arenoso e ardiloso terreno das disputas e dos interesses que se opõem e se unem sob a mesma aeronave chamada Brasil. Políticos aproveitam o momento para os holofotes. Muitos se dizem consternados com os acidentes que deixaram vítimas, mas aproveitam para transformar os mortos pelos quais as familias ainda choram em ilustres cadáveres de suas intenções eleitoreiras, transformando-os e aos seus em cabos eleitorais.
O que é lamentável em tudo isso, para um jornalista, é ver redações entrando nesse jogo sem o perceber. Não quero e nem estaria à altura de um Alberto Dines, por exemplo, para exercer a função, ainda que neste espaço por mim editado, de ombusdman dos jornais ou de quem quer que seja. Mas, como profissional de imprensa, hoje longe das redações, náo posso deixar de registrar essas impressões que alguns textos e colunistas me sugerem. Repórteres pressionados por chefes para conquistarem manchetes algumas vezes, ainda bem que muito raras, pelas mãos de lobistas, que os acabam por convencer que estão fazendo jornalismo. Oferecem testemunhas, uma pauta pronta que o repórter compra, o chefe compra, o editor compra e ganha espaço nas páginas.
É um jornalismo pobre, ainda que alguns tomem o cuidado de bater no ferro e na ferradura, como que se desculpando de entrar assim numa cobertura que ainda sensibiliza a população, de forma tão pronta, como se ninguém percebesse os interesses de uma ou de outra empresa, no momento em que tudo que não interessa, igualmente a parlamentares, é cobrar a responsabilidade das empresas, que transportam vidas. Joga se lama em outro e em outrem, daqui há pouco na mulher do cafezinho do saguão do aeroporto, no ascensorista da Infraero ou no faxineiro do Ministério da Defesa. Quando não esses ascensoristas, motoristas, jardineiros, seduzidos por parlamentares ou lobistas, viram estrelas ao oferecem depoimentos comprometedores de que fulano ou beltrano estava numa festa, onde se serviu, sem ou com soda, belas mulheres, camarão empanado e aquelas bebidas de revistas de celebridades. Assim, o foco real também fica mais distante, mas o andar debaixo passa a se manifestar ao vento dos interesses e dos interessados nessas informações esfumaçadas, quando o foco é outro.
É como se a obra magistral de Giuseppe Tomaso di Lampedusa, O Leopardo, que deu origem ao não menos magistral filme dirigido por Luchino Visconti, encerrase toda a essência de CPIs: “vamos mudar tudo, para que tudo fique como está”.
Tanto que é, como se num diálogo hipotético, e que a mídia reproduz de forma pretenciosamente séria em reportagens, se a empresa A pudesse dizer “Tudo bem, nossos instrumentos não funcionam direito”, mas pontuasse de alto e bom tom “em compensação nossos funcionários náo roubam passageiros como os da empresa B”. E, assim, de forma hipotética e constrangedora se pudesse construir um diálogo, em que num universo restrito, de um palco ampliado pela dor, protagonistas pudessem se atacar e, desse modo, saírem ilesos, envoltos por essas cortinas de fumaça.
Em momentos de crise, assessores inescrupulosos ganham terreno. Assim como os lobistas que adoram as CPIs nas quais funcionam como “marias-maçanetas”, aqueles que abrem portas e conquistam um ou outro parlamentar com promessas e os fazem esquecer dos compromissos reais com a população de olho em benesses as quais os seus mandatos parecem finalmente estarem prestes a conquistar ou aquela fama repentina que pode abrir novas e maiores portas. Que os fazem sonhar com postos mais elevados, cientes de que nunca serão “Conceição”, como cantaria Cauby Peixoto. Descem na lama a qual Conceição desceu para dela conquistarem as estrelas as quais ela não viu no cancioneiro popular.
E o lobby aéreo voa. Voa para lugar algum, como se todos fôssemos passageiros das bem traçadas linhas de Lampedusa ainda que – e lamentavelmente – esses vôos deixem vítimas reais pelo caminho, inclusive uma repórter que conheci e que foi vítima da pena sinistra de assessores e lobistas aéreos.