Na rua, um menino abandonado e vítima de maus tratos está sentado em cima de um cartaz. “Se fosse uma escultura exposta em um museu, você veria?” Essa foi a proposta da ação de marketing de guerrilha que a Lew’Lara\TBWA criou e desenvolveu para a Associação Beneficente Santa Fé, do lado de fora da Pinacoteca do Estado de São Paulo, no último fim de semana, onde estava sendo exibida a exposição do escultor hiper-realista, Ron Mueck. O retrato do realismo na fila do hiper-realismo.
Não se trata de crítica ao artista australiano, radicado na Inglaterra, que reproduz em escala gigantesca, por isso hiper-realista, as figuras humanas nas situações mais simples do cotidiano; mas de um alerta, se valendo de filas de 4 horas e 4 mil visitantes por dia para entrar na exposição, para a situação real, o realismo no qual se encontram crianças nas ruas brasileiras. Foi esse cenário que estimulou a Lew’Lara\TBWA a criar essa ação de guerrilha.
Para impactar as pessoas na fila, um grande cartaz foi colocado no chão e, sentado em cima dele, esteve um menino que vive na rua – na mesma posição de uma das esculturas de Mueck: “Boy”, de 1999, com cinco metros de altura. No cartaz, destaca-se o questionamento: “Quando você vai querer ver gente de verdade?”. Abaixo do logo, a assinatura: “Para doar: www.santafe.org.br”.
Manir Fadel, presidente de criação da Lew’Lara\TBWA, diz que a ação tem o objetivo de chamar a atenção da população a um problema secular do País, que é a situação das crianças que vivem nas ruas, consideradas figuras invisíveis por muitas pessoas no dia-a-dia, e incentivar as doações para a Associação Beneficente Santa Fé, que desenvolve um trabalho de acolhimento a meninos e meninas vítimas de maus tratos e abandono. “Muitas pessoas preferem desviar o olhar dessas crianças a tomar alguma atitude para mudar essa realidade. A ação criada para a Santa Fé mostra que ignorar o problema não ajudará esses meninos e meninas, que precisam de um ambiente seguro e adequado para o seu desenvolvimento”, explica o executivo.
“As obras de Mueck destacam a observação meticulosa do artista para com as crianças e outras figuras humanas. Mas, na realidade, a observação da população às crianças abandonadas nas ruas, quando ocorre, não tem a mesma delicadeza e cuidado”, diz Márcia Ventura Dias, diretora presidente da Associação. Para conhecer mais sobre a ação, os projetos desenvolvidos, basta acessar o site www.santafe.org.br, que também é acessível pelo celular.
Quase 24 mil seres “invisíveis”
Desde 2011, o Brasil tenta traçar o perfil de crianças e adolescentes que trabalham ou dormem nas ruas do País. De acordo com os primeiros dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Idesp), 23.973 indivíduos dessa faixa etária se encontram espalhados pelas 75 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes. E 63% foram parar lá por causa de brigas domésticas.
Para se ter uma ideia, segundo esse levantamento preliminar, 59% das crianças e adolescentes que estão na rua, voltam para dormir na casa dos pais, parentes ou amigos, o que indica que a rua é vista por muitos como um local para ganhar dinheiro, por meio de esmolas e venda de produtos, entre outras ações. Para reverter esse quadro, são necessários trabalhos técnicos voltados à reestruturação familiar, à resolução de conflitos dentro da casa e nas comunidades onde vivem os jovens, suporte escolar e medidas de saúde voltadas principalmente à dependência de drogas. Conforme os dados, as brigas verbais com pais e irmãos (32,2%), a violência doméstica (30,6%) e o uso de álcool e drogas (30,4%) são os motivos principais que levam os jovens às ruas.