O brasileiro consome por ano mais de 150 mil toneladas de mortadela e deixa nos pontos de venda cerca de R$ 700 milhões por ano. Os dados são do Instituto AC.Nielsen, especializado em pesquisas de mercado, e revelam que este é um mercado que cresce, ano a ano, estimulando novos lançamentos e que, além de empresas líderes como Perdigão, Sadia e Marbra, conta com um grande número de produtores regionais.
A marca que dá água na boca, no entanto, responde por apenas 4% das vendas. Afinal, enquanto o quilo médio do produto é de R$ 3,00 neste ano de 2007, o da marca Ceratti é de R$ 18,00. Nesse preço está embutida a tradição de uma empresa que desde 1932 produz a mortadela que, de São Paulo, conquistou mercado em todo o País.
Essa receita de sucesso veio da Itália na bagagem de um imigrante. Afinal, foi naquele país que o produto teve origem, na época do Império Romano, há mais de dois mil anos. Seu nome deriva do latim, mortata ou myrtata, que significa carne aromatizada com murta (pequeno arbusto mediterrâneo). Há registros de que, já em 60 a.C., os imperadores consumiam e apreciavam a mortadela. Tal iguaria chegou ao Brasil com os imigrantes italianos no século XIX e, hoje, é também conhecida pelo nome de Bologna, uma referência à cidade italiana, grande produtora de mortadela.
O imigrante Giovanni Ceratti chegou ao Brasil em 1924, Na bagagem, trouxe também muitos sonhos e algumas decepções com os rumos que a política tomava na Itália, com a ascensão de Mussolini. O italiano nascido em Castelmassa, uma cidade de 6 mil habitantes às margens do Rio Pó, no norte da Itália, em 1897, era dirigente do Sindicato dos Ferroviários daquela região e sentiu que a subida de Mussolini e do Partido Fascista era o início de uma era de repressão e perseguição política. Havia a possibilidade de terminar na cadeia, cedo ou tarde.
Foi nesse cenário conturbado que Giovanni decidiu então vir para a América, a América do Sul, precisamente para São Paulo onde alguns amigos seus estavam trabalhando. Chegou aqui aos 27 anos de idade, em 1924, e começou a trabalhar em uma marcenaria. Conheceu Inês Saravalli, casaram-se e tiveram um casal de filhos. A vida corria num ritmo morno até que Inês faleceu ao dar a luz a um terceiro filho, deixando Giovanni viúvo, com duas crianças pequenas. Foi aí que ele conheceu a família Tosi, de comerciantes, apaixonando-se por Gina, a filha caçula da família. Reuniu suas economias e comprou um terreno na Vila Heliópolis, na periferia da cidade. Giovanni construiu aí sua casa e um pequeno açougue, iniciando assim seu próprio negócio. Seu sogro, vendo as dificuldades que passava Giovanni, o aconselhou: “Por que você não fabrica no seu açougue alguns frios italianos que a gente não encontra aqui?”. E foi assim que nasceu a Ceratti em 1932. Começou a fabricar tradicionais frios italianos como o Codeguim, a Panceta e o Zampone.
Não demorou, como ocorreu com a confeitaria dos Fasano, para que a colônia italiana, muito forte em São Paulo e começando a ganhar espaço no mundo dos negócios, com a família Matarazzo à frente, procurasse pelo produto e o divulgasse, saudosos dos sabores da velha Itália. A mortadela do Sr. Ceratti passou então a ser conhecida nos mais diferentes circuitos da cidade, com um quê de exclusividade assegurada pela produção doméstica. A procura por estes frios foi tão grande que em pouco tempo Giovanni abandonava a venda de carne fresca e se dedicava exclusivamente à fabricação de frios e embutidos de primeira linha. O nome Ceratti ficou ligado desde o início à qualidade de seus produtos. A mulher de Giovanni, Gina Tosi, supervisionava pessoalmente as linhas de produção. E assim como o negócio crescia, cresciam os filhos e fábrica, que passou a ficar no centro do bairro do Ipiranga.
Giovanni, no entanto, teve a percepção de que parte do sucesso do empreendimento se devia à produção artesanal, que o diferenciava dos produtos frios de grandes frigoríficos. Decidiu então manter o preço alto, mas com o cheiro, o sabor e os temperos que garantem até hoje à Ceratti ser sinônimo de qualidade e requinte, podendo cobrar mais de 5 vezes o preço de uma mortadela comum, sem que o consumidor a rejeite por isso. A produção que em 1953 era de aproximadamente duas toneladas por dia, passou para quatro toneladas por dia em 1960, para sete toneladas por dia em 1970.
Os sucessores aprenderam com Giovanni que o crescimento da empresa tem que ser pautado por essa tradição de qualidade. Neste ano de 2007, a Ceratti chega a produzir 35 toneladas diárias de frios, mas é a mortadela que responde por 65% dos negócios. Tanto crescimento fez, em 2006, a empresa encerrar as portas da antiga fábrica no Ipiranga, transformada em sede apenas com funcionários administrativos e de vendas, transferindo toda a sua produção para a cidade de Vinhedo.
Mario Ceratti Benedetti, neto do fundador, que não gosta de ostentar o título de presidente, mas que é quem comanda os negócios da família, teve o cuidado, porém, de nesse espaço maior não abandonar as técnicas artesanais que diferem o produto dos demais na percepção dos consumidores.
“Só aumentamos a produção. A Ceratti é a mesma”. E, é claro, vive da sua tradição. Tanto que ao ingressar no mercado de pizzas semiprontas, Mário Ceratti garantiu que tratava-se apenas de diversificar a produção, sem perder de lado a força dos embutidos. É uma empresa que vive da propaganda boca a boca. E que ainda tem nos sanduíches de mortadela, que podem ser apreciados no revitalizado Mercado Municipal de São Paulo, um cartão de visitas. Só que Mário Ceratti quer mais, quer ganhar mercado externo como o fazem as importadas Negroni e Fiorucci. A empresa já tem um pé no Japão, onde vende o produto para expatriados. É uma mortadela produzida lá, com os condimentos e as técnicas que a Ceratti exporta e que faz enorme sucesso. O sonho é entrar no mercado italiano, com um produto e receitas que saíram de lá, mantendo uma tradição de qualidade. A marca e o sobrenome de Mário têm fôlego para a empreitada.