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#IWD15: PARA SEMPRE DOROTHY STANG - Revista Publicittà #IWD15: PARA SEMPRE DOROTHY STANG - Revista Publicittà

#IWD15: PARA SEMPRE DOROTHY STANG

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A luta pela reforma agrária e pela preservação do meio ambiente foram as bandeiras que guiaram a vida da missionária Dorothy Stang. Nascida em 1931 nos Estados Unidos e naturalizada brasileira, ela morreu sem abrir mão de suas convicções sobre o direito à terra. Assassinada a tiros no dia 12 de fevereiro de 2005, Dorothy atuou por mais de quatro décadas no Brasil e deu alguns passos para realizar o sonho de ver trabalhadores rurais retirando o sustento de suas próprias terras e convivendo em harmonia com a Floresta Amazônica.

É na figura de Dorothy Stang, 20 anos após o seu assassinato e se valendo da brilhante reportagem especial de Paulo Victor Chagas e das imagens de Tomaz Silva, ambos da Agência Brasil, que a Revista Publicittà homenageia neste Dia Internacional da Mulher (#IWD15) todas as mulheres do Brasil e do mundo. Guerreiras que sabem fazer a diferença diante da indiferença, que têm como arma a palavra e o gesto, muitos vezes parados no ar, mas firmes. Mulheres que combatem a arrogância de homens insensíveis e de outras tantas mulheres tão insensíveis quanto, atreladas que estão a um “status quo” que aos poucos se desfaz graças à luta de nossas “Dorothys Stangs”.

TEXTO: PAULO VICTOR CHAGAS/AGÊNCIA BRASIL
FOTOS: TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL

DIAS QUE SEGUEM E NOITES QUE CONVIDAM À REFLEXÃO

A Agência Brasil visitou Anapu, no sudoeste do Pará, onde a freira trabalhou por cerca de 20 anos na luta pela implantação do primeiro Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) do Brasil. Pioneiro na forma com que promovia a subsistência e a exploração sustentável da floresta, o projeto ganhou o nome de Esperança para ilustrar o desejo dos trabalhadores que chegavam ao município em busca de uma vida nova e de um território onde pudessem criar sua família.

No local, a histórica tensão envolvendo conflitos fundiários, que aumentava constantemente com a expansão do comércio ilegal de madeiras, atinge o seu ápice no início dos anos 2000, em grande parte devido à ausência do Estado, e se estabiliza momentaneamente logo após o assassinato.

Nos testemunhos ouvidos pela reportagem foi possível confirmar que o caso de Dorothy, apesar da grande repercussão, inclusive internacional, não é uma exceção na história de disputas por terra no país, protagonizados por poderosos de um lado e pessoas simples de outro.

A frase “Irmã Dorothy Vive!” estampa camisetas usadas por aqueles que conviveram com a missionária. “O sangue de Dorothy lava a terra”, anuncia um cartaz que pede reforma agrária. Para o bispo dom Erwin Krautler, que recebeu a missionária em 1982, quando ela chegou à região do Xingu, “reforma agrária não é só cortar lotes de terra e distribuí-los a famílias carentes”. “É fixar o homem e a mulher na terra, fazer com que encontrem na terra a sua vida e a vida de seus filhos e netos”, resume.

Foi dele a sugestão para que Dorothy Stang atuasse no Pará em uma região onde havia “gente paupérrima” porque ela queria trabalhar entre os “pobres mais pobres”.

MAPA DA VIOLÊNCIA

O Pará que contabiliza a morte da missionária é também o líder no ranking de mortes por conflitos no campo. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 645 pessoas foram assassinadas no Pará de 1985 a 2013 – o que representa 38% do total de 1.680 homicídios por disputa de terra registrados nesse período.

O alto número de mortes, entretanto, não é proporcional ao de condenações por episódios de violência no campo o que gera uma sensação de impunidade entre vários setores da sociedade civil. Nos últimos 30 anos, 1.270 casos de morte por disputa de terra foram registrados pela CPT. Apenas 28 mandantes foram condenados e 13 foram absolvidos no mesmo período. Entre os executores, 86 foram responsabilizados pela Justiça e 58, absolvidos.

Atualmente, o PDS Esperança abriga 261 famílias de pequenos agricultores que ainda pedem mais presença do Poder Público. Apesar de as condições de vida terem melhorado na última década, muitos dos trabalhadores rurais vivem um cenário de instabilidade gerado por longos processos na Justiça sobre a posse da terra e a pressão de madeireiros que têm interesse em extrair árvores nativas de modo desenfreado.

Depois da implantação do PDS Esperança, em 2004, o Brasil avançou na formalização de estruturas que seguem a lógica do desenvolvimento sustentável e, hoje, contabiliza 129 projetos implantados. De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), esses assentamentos abrigam 25 mil famílias.

Especial 10 anos da morte da missionária Irmã Dorothy Stang

Há dois anos no PDS Esperança, o mesmo projeto que a missionária Dorothy Stang lutou para implantar, a camponesa Luzinete Sales, 41 anos, complementa a renda da plantação de cacau feita pelo marido, Robson Silva, com a produção de bonecas para enfeite e sorvete. “No início, faltavam algumas coisas, mas agora já melhorou bastante. Não passamos necessidade. Às vezes não tem carne, mas aí tem um vizinho que traz um pedacinho”, conta a artesã sobre a vida na comunidade.

“Eu acredito que [daqui]uns dois anos vai estar melhor. Todo mundo já vai ter produzido mais. Valeu a pena o esforço [de Dorothy Stang]. Tivemos o direito a um pedaço de terra. É só arregaçar as mangas que as coisas melhoram”, garante.
Especial 10 anos da morte da missionária Irmã Dorothy Stang
O agricultor Edilson do Nascimento, 39 anos, mora há dez em um terreno às margens do PDS Esperança e aguarda uma decisão da Justiça sobre a posse do lote que ocupa. Um grande fazendeiro da região se diz dono da terra que também é pleiteada pela União. Mesmo com o cenário de indefinição e instabilidade, ele conta que não se arrepende de ter ido para a região à procura de um lugar para tirar o sustento.

“Eu vim atrás da terra para sobreviver e acho que, para mim, foi uma coisa muito boa. Se eu não tivesse vindo para cá, eu estava como uma pedra, rolando para lá e para cá, sem criar lodo”, relata o trabalhador que mora com a mulher e três filhos.
Especial 10 anos da morte da missionária Irmã Dorothy Stang
A convivência com as freiras da Congregação Notre Dame de Namur rendeu a Ivonilde Santos Sousa, 48 anos, o apelido de Irmãzona. Ela conta que, no início dos anos 2000, pessoas contrárias à implantação do PDS diziam que a região não se desenvolveria. “O pessoal dizia que a gente ia comer casca de pau, que não ia ter nada. E hoje a maioria das coisas que sai para o município de Anapu é daqui de dentro.”

Defensora do modelo sustentável adotado pelos assentados, ela reivindica mais auxílio do Estado para consolidar o trabalho desenvolvido no local. “Eu gostaria que o governo olhasse mais para nós e visse a nossa situação aqui, a nossa luta, nossa batalha. A gente vive tentando levar esse assentamento nas costas do modo que ela [Dorothy] queria, que os agricultores tivessem direito à terra e condições de trabalho.”

DOS EUA AO BRASIL

A vida de Dorothy Stang foi marcada por uma intensa luta pelo direito à terra dos numerosos camponeses que migraram para o Norte do país em busca de sustento. O primeiro destino da missionária nascida nos Estados Unidos, mas naturalizada brasileira, foi o município de Coroatá, no Maranhão, onde chegou em 1966, aos 35 anos.

Freira da Congregação Notre Dame de Namur, irmã Dorothy percebeu cedo o movimento de exploração que começava a tomar conta da Floresta Amazônica. Incentivados pelo governo, muitos fazendeiros derrubavam a mata e faziam testes para saber o que poderia ser produzido ali. Como consequência, pequenos agricultores vindos do Nordeste, em especial do Maranhão, começaram a ser expulsos e a migrar para regiões do interior do Pará.

De acordo com a missionária Rebeca Spires, os camponeses nordestinos souberam da existência de lotes à disposição de colonos às margens da Rodovia Transamazônica, que estava sendo construída. “Aí ela [Dorothy] disse: ‘Olha, o nosso povo está migrando para o Pará. Vamos também. A gente não pode deixar o povo ir embora e ficar aqui’. Foi por esse motivo que viemos”, relembra a freira, amiga de Dorothy.

“INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR”, A FARSA

Ainda na década de 1970, sob o lema “Integrar para não Entregar”, o governo brasileiro começou a vender lotes de terras no Pará, denominados Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATP). “Nós que estamos aqui fomos colocados há 35 anos e educados para quê? Nós tínhamos que desmatar para que outro país não viesse tomar a nossa Amazônia Legal. Era para plantar arroz e capim. Era para desmatar mesmo, ou seja, desbravar”, lembra Francisco de Jesus Portela, cacaueiro em Anapu.

Esses documentos eram concedidos a pessoas que, na maioria dos casos, não chegaram a visitar ou conhecer os lotes. Os contratos previam ainda que, caso os donos não fizessem benfeitoria no prazo de cinco anos após a compra, as terras seriam devolvidas à União. Mas esses lotes foram revendidos a outras pessoas que, anos depois, alegaram desconhecer essa cláusula e reivindicavam a posse dos lotes. Nessa época, começaram a surgir também os contratos forjados, praticados por grileiros.

Nesse complicado cenário fundiário – em que a União, os fazendeiros e pequenos proprietários disputavam espaço –, a missionária Dorothy Stang surge como uma voz a favor dos camponeses pobres.

PARÁ, ESTADO DO CRIME

Dom Erwin Krautler, bispo do Xingu, conta que, com a chegada dos grandes fazendeiros que se diziam donos dos terrenos, o conflito se tornou ainda mais visível. Para ele, os órgãos do governo foram “negligentes e omissos”. “Na área do atual município de Anapu a migração era desordenada e, em consequência, a situação das famílias, desde o começo, muito precária. Esse foi o ambiente em que irmã Dorothy entrou em cena e a fez tomar a decisão de apoiar os pobres na sua luta pela realização do sonho de ganhar o tão sonhado pedaço de chão”.

Com sua chegada a Anapu, em 1982, a missionária começou a reivindicar os direitos de pequenos agricultores e estimulou a organização, como lembra a missionária Rebeca Spires. “A primeira coisa que a Dorothy me disse foi: ‘Você tem que aprender a Bíblia em português, mas tem que aprender o Estatuto da Terra, porque nós trabalhamos com lavradores e eles têm que saber como defender seus direitos. Os direitos que a lei reconhece, a gente tem que conhecer e ensinar o povo para eles saberem como batalhar por si. A gente não vai ficar a vida inteira batalhando por eles, eles que têm que fazer’”, recorda.

VOCÊ SABE LER?

A missionária conta que o protagonismo de Dorothy era visível em sua forma de liderar e ensinar. Ela estabeleceu dezenas de escolas por onde passava na base do “Você sabe ler? Então você pega essas crianças e ensina”. “Sempre que a Dorothy vinha aqui na cidade [Belém], ela trazia alguns lavradores juntos para mostrar, aqui tem o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], aqui tem o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], você busca aqui. Para que amanhã ou depois eles fizessem, não ela”, destaca Rebeca. Foi dessa maneira que Dorothy Stang passou a auxiliar os pequenos produtores rurais que chegavam à região, sem orientação, à procura de um terreno para produzir.

Dom Erwin, que à época era o responsável por designar os locais onde os missionários deveriam atuar, lembra da chegada de Dorothy ao município. “Lembro-me perfeitamente da visita daquela senhora de vozinha mansa e sotaque estadunidense bastante acentuado. Vinha falar com o bispo para ver se ela e sua congregação podiam trabalhar na Prelazia do Xingu. Com a migração contínua à Transamazônica e a outras regiões da Prelazia, qualquer congregação de religiosas era bem-vinda e, logicamente, aceitei a proposta sem logo pensar numa determinada área de atuação”, recorda o bispo.

Ele lembra também que a freira alimentava o sonho de trabalhar entre os camponeses mais carentes da região. “Ela logo me avisou que queria trabalhar entre os pobres mais pobres. Brinquei e disse que como cidadã norte-americana, oriunda do aprazível estado de Ohio, certamente ela não conhecia a pobreza extrema. Falei logo da Transamazônica-Leste, região infestada de doenças tropicais onde vive gente que não tem onde cair morta. Ela nem me deixou terminar de falar e respondeu: ‘Então eu quero ir’. Tentei ponderar: ‘Mas a senhora não vai aguentar’. E ela: ‘Deixe-me pelo menos fazer uma experiência’. Pensei que depois de poucas semanas viria pedir-me outra área ou então estaria já curtindo a primeira malária. Enganei-me redondamente”, relata dom Erwin.

Para muitos moradores da cidade, entretanto, a presença de Dorothy era um empecilho ao desenvolvimento econômico da cidade. “Alguém ia perder a terra porque não tinha documento. Foi o que culminou com a morte da irmã Dorothy”, explica Paulo Anacleto, taxista e vereador na época em que a tensão por terra começou a aumentar. No início dos anos 2000, várias manifestações contrárias à criação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) – incentivado por Dorothy Stang – foram promovidas na cidade.

ANAPU, A CÂMARA DE VEREADORES DOS INSENSÍVEIS

José Carlos Pereira, que foi presidente da associação dos comercianteslicit de Anapu, diz que o entendimento à época era o de que possíveis prejuízos para os madeireiros e fazendeiros também se refletiriam nos resultados do comércio. “O objetivo das manifestações era resgatar o nosso município, que estava prestes a ser tomado por alguém que você não sabia nem quem era”, revela.

“Foram feitos vários movimentos porque naquela época ficava todo mundo desesperado com o que podia acontecer. Madeireiro não vai serrar árvore, fazendeiro não pode ter terra. Tinha gente que tinha fazenda com dois mil bois, que foi desapropriado”, lembra.

Para desestimular as ações a favor da reforma agrária protagonizadas por Dorothy Stang, a Câmara dos Vereadores de Anapu aprovou uma moção de persona non grata à missionária em 2002. “Ninguém tinha nada contra ela. A gente via o risco que ela corria e tinha uma preocupação de acontecer algo, então a gente fez aquela moção para que ela fosse embora daqui com vida. Era a nossa intenção, que ela deixasse os madeireiros, na época, e os fazendeiros, que eram ameaçados, viver em paz. A gente achava que com a saída dela, tanto o setor madeireiro quanto o setor pecuarista, ia ter sossego”, justifica o antigo presidente da associação de comerciantes.

Dez anos depois, José Carlos Pereira admite que a sua opinião é diferente. “Se hoje eu tivesse de fazer o que eu fiz [manifestações], eu parava duas vezes para pensar. Até porque muita coisa mudou com a implantação do PDS”, reconhece. “A gente está vendo grandes exemplos lá em São Paulo, lá em Minas, faltando água até para beber. E se isso [a implantação do PDS]não tivesse acontecido para dar um freio aqui, daqui 20, 30 anos, nós estaríamos passando pela mesma situação. Então, hoje, eu dou a mão à palmatória. Pelo menos em parte, ela tinha razão”, diz.

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