O canadense Cirque du Soleil encantou o público e os telespectadores de todo o mundo na cerimônia de abertura dos Jogos Pan-americanos Toronto 2015, que antecedem o Para-pan e as Olimpíadas Rio 2016. Com um espetáculo focado nos mínimos detalhes e ao som de eletrizantes e contemporâneas mixagens, mostrou o surgimento dos povos das Américas a partir da origem da vida e das primeiros tribos indígenas da qual somos todos descendentes e que conviviam com as forças da natureza em perfeita harmonia. As mesmas forças da natureza que, em nome do progresso e, muitas vezes, da ganância, são vítimas hoje de sérios desequilíbrios para suprir o horror econômico de uma meritocracia visando lucro e muito mais selvagem que as antigas tribos que nos defenderam de todos os obstáculos para que pudéssemos hoje habitar suas antigas terras.
POR CARLOS FRANCO
Cirque du Soleil dançou, assim, a vida para abrir espaço para um dos momentos mais emocionantes da cerimônia, projetado em telão e, ao vivo, no próprio estádio que foi a chegada da tocha olímpica conduzida pelo atleta canadense Donovan Bailey que saltou de paraquedas em direção palco. Antes os atletas percorreram as ruas de Toronto, com direito a um salto da CN Tower, cartão postal da cidade com seus 560 metros de altura. A cerimônia que teve uma duração de mais de 3 horas, resultou num vídeo de pouco mais de uma hora, editado pela organização dos Jogos e que você pode conferir aqui e se encantar pela primeira vez ou rever esses momentos de puro encantamento.
Emoção e muita vibração marcaram a cerimônia. Os jogos Toronto 2015 reúnem atletas que sonham com o orgulho olímpico, mas, mais que as competições, onde o corpo e suas capacidades estão à prova, são momentos de união de interesses e construção, reconstrução da unidade dos povos, que se ausenta de cena toda vez que um dos países que integram as Américas é subjugado, julgado e excluído pelo espoliante, dilapidante e vil poder do outro.
Os jogos olímpicos têm contribuído ao longo da história para dar uma resposta quase sempre contundente à falta de respeito pelo outro e a aceitação da diversidade étnica, social, religiosa e sexual. Uma das suas mais belas páginas foi escrita nas Olimpíadas de 1936, em Berlim, quando Adolf Hitler estava no poder e pregava a supremacia da raça ariana. Resultado: nas principais provas de atletismo, o próprio Hitler teve que assistir da tribuna os feitos de James Cleveland Owens (Jesse Owens), o negro nascido no Alabama, Estados Unidos, em 12 de setembro de 1913 e que conquistou nesses Jogos quatro medalhas de ouro nas provas dos 100m, 200m, revezamento 4x100m e salto em distância.
Um constrangido Hitler entregou três das quatro medalhas conquistadas por Jesse Owen, mas os jornais decidiram não publicar esses fotos, construindo uma lenda mentirosa de que Hitler havia se recusado a entregar as medalhas, o que a História provaria o contrário assim, como em vida, o próprio Owens que carregava na carteira a foto do feito e do recebimento da primeira medalha. Da mesma forma, alguns jornais deixaram de registrar o preconceito que o atleta enfrentou dentro do próprio Estados Unidos. Em sua biografia, Jesse Owens afirma que o que o deixava mais magoado não eram as atitudes de Hitler em relação aos negros, mas o fato de o presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, não ter sequer se dignado a mandar um telegrama felicitando-o pelas conquistas na Olimpíada de 1936. Tanto pior que na cerimônia de recepção aos vencedores na Casa Branca, em Washington, DC, Jesse Owens tenha sido obrigado a entrar pela porta dos fundos enquanto os atletas brancos, arianos como os classificava Hitler, entraram pela porta da frente. Uma mancha que ficará para sempre na biografia de Roosevelt e do preconceito racial. Mas o fato é que Jesse Owens mostrou ao mundo que a diversidade é parte integrante e importante na formação dos povos e na construção de um respeito que muitas vezes lhe faltou em vida até a morte em 1980.
Recado dado.