Em nota divulgada na noite de ontem, 11, 97 representantes dos Ministérios Público Estaduais, do Trabalho e Federal defenderam a necessidade de se respeitar o Estado de Direito criticando o que classificam de “banalização da prisão preventiva” depois que os procuradores do Ministério Público de São Paulo Cássio Roberto Conserino, José Carlos Guillem Blat e Fernando Henrique de Moraes Araújo pediram a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva num texto que, além dos inúmeros erros gramaticais, históricos e filosóficos (que deram origem à memes e piadas nas redes sociais por terem os procuradores trocado Engels por Hegel, numa demonstração clara de erro histórico e filosófico), foi considerado até pelos opositores de Lula e aqueles que, na mídia, promovem uma verdadeira caçada ao ex-presidente, desproporcional. Leia a íntegra da nota, que tem ganho a adesão de outros profissionais em respeito ao Direito e ao Estado de Direito:
Os/as Promotores de Justiça, Procuradores/as da República e Procuradores/as do Trabalho abaixo nominados/as, integrantes do Ministério Público brasileiro, imbuídos da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos fundamentais, individuais e coletivos, previstos na Constituição Federal de 1988, vêm a público externar sua profunda preocupação com a dimensão de acontecimentos recentes na quadra política brasileira, e que, na impressão dos/as subscritores/as, merecem uma reflexão crítica, para que não retrocedamos em conquistas obtidas após anos de ditadura, com perseguições políticas, sequestros, desaparecimentos, torturas e mortes.
- É ponto incontroverso que a corrupção é deletéria para o processo de desenvolvimento político, social, econômico e jurídico de nosso país, e todos os participantes de cadeias criminosas engendradas para a apropriação e dilapidação do patrimônio público, aí incluídos agentes públicos e privados, devem ser criteriosamente investigados, legalmente processados e, comprovada sua culpa, responsabilizados.
- Mostra-se fundamental que as instituições que compõem o sistema de justiça não compactuem com práticas abusivas travestidas de legalidade, próprias de regimes autoritários, especialmente em um momento em que a institucionalidade democrática parece ter suas bases abaladas por uma polarização política agressiva, alimentada por parte das forças insatisfeitas com a condução do país nos últimos tempos, as quais, presentes tanto no âmbito político quanto em órgãos estatais e na mídia, optam por posturas sem legitimidade na soberania popular para fazer prevalecer sua vontade.
- A banalização da prisão preventiva – aplicada, no mais das vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da liberdade vai de encontro a princípios caros ao Estado Democrático de Direito. Em primeiro lugar, porque o indivíduo a quem se imputa crime somente pode ser preso para cumprir pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII). Em segundo, porque a prisão preventiva somente pode ser decretada nas hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de violação ao devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).
- Operações midiáticas e espetaculares, muitas vezes baseadas no vazamento seletivo de dados sigilosos de investigações em andamento, podem revelar a relação obscura entre autoridades estatais e imprensa. Afora isso, a cobertura televisiva do cumprimento de mandados de prisão, de busca e apreensão e de condução coercitiva – também utilizada indiscriminada e abusivamente, ao arrepio do art. 260 do Código de Processo Penal – redunda em pré-julgamento de investigados, além de violar seus direitos à intimidade, à privacidade e à imagem, também de matriz constitucional (CF, art. 5º, X). Não se trata de proteger possíveis criminosos da ação estatal, mas de respeitar as liberdades que foram duramente conquistadas para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.
- A história já demonstrou que o recrudescimento do direito penal e a relativização de garantias não previnem o cometimento de crimes. Basta notar que já somos o quarto país que mais encarcera no mundo, com mais de 600 mil presos, com índices de criminalidade que teimam em subir, ano após ano. É certo também que a esmagadora maioria dos atingidos pelo sistema penal ainda é proveniente das classes mais desfavorecidas da sociedade, as quais sofrerão, ainda mais, os efeitos perversos do desrespeito ao sistema de garantias fundamentais.
- Neste contexto de risco à democracia, deve-se ser intransigente com a preservação das conquistas alcançadas, a fim de buscarmos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Em suma, como instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público brasileiro não há de compactuar com medidas contrárias a esses valores, independentemente de quem sejam seus destinatários, públicos ou anônimos, integrantes de quaisquer organizações, segmentos econômicos e partidos políticos.
Até sexta-feira à noite tinham aderido à nota os seguintes promotores, procuradores e subprocuradores, aqui separados por instituição:
Ministério Público da Bahia:
Márcia Regina Ribeiro Teixeira
Rômulo de Andrade Moreira
Ministério Público de Goiás:
Elmir Duclerc Ramalho
João Porto Silvério Júnior
Ministério Público de Minas Gerais:
Afonso Henrique de Miranda Teixeira
Carlos Henrique Tôrres
Carolina Marques Andrade
Edson Baeta
Gilvan Alves Franco
Graciele de Rezende Almeida
Heleno Portes
Jacson Campomizzi
João Medeiros
Nívia Mônica Silva
Paulo César Vicente de Lima
Rodrigo Anaya Rojas
Rômulo Ferraz
Sérgio de Abritta
Ministério Público do Pará:
Ivanilson Paulo Corrêa Raiol
Ministério Público do Paraná:
Jackson Zilio
Márcio Soares Berclaz
Paulo Busato
Ministério Público de Pernambuco:
Belize Câmara Correia
Bettina Estanislau Guedes
Cristiane de Gusmão Medeiros
Daniela Maria Ferreira Brasileiro
Fabiano de Melo Pessoa
Francisco Sales de Albuquerque
Gilson Roberto Barbosa
Helio José de Carvalho Xavier
Jecqueline Guilherme Aymar
José Roberto da Silva
Laís Coelho Teixeira Cavalcanti
Luciana Marinho Mota Albuquerque
Maísa Melo
Maria Bernardete Martins de Azevedo Figueiroa
Maria Ivana Botelho Vieira da Silva
Roberto Brayner Sampaio
Silvia Amélia de Oliveira
Westei Conde Y Martin Junior
Ministério Público do Rio de Janeiro:
Afrânio Silva Jardim (Procurador de Justiça aposentado)
Janaína Pagan
Júlia Silva Jardim
Leonardo Souza Chaves Tiago Joffily
Ministério Público do Rio Grande do Sul:
Ivana Machado Bataglin
Ministério Público de São Paulo:
Alexander Martins Matias
Ana Lucia Menezes Vieira
Antonio Alberto Machado
Antonio Visconti (Procurador de Justiça aposentado)
Arthur Pinto Filho
Daniel Serra Azul Guimarães
Eduardo Dias de Souza Ferreira
Eduardo Ferreira Valério
Eduardo Maciel Crespilho
Fernanda Peixoto Cassiano
Gustavo Roberto Costa
Inês do Amaral Buschel
João Paulo Faustinoni e Silva
José Roberto Antonini (Procurador de Justiça aposentado)
Marcelo Pedroso Goulart
Maria Izabel do Amaral Sampaio Castro
Plínio Antonio Britto Gentil
Renan Severo Teixeira da Cunha
Sueli Riviera
Tadeu Salgado Ivahy Badaró
Taís Vasconcelos Sepúlveda
Thiago Alves de Oliveira
Thiago Rodrigues Cardin
Ministério Público Federal:
Aurelio Virgilio Veiga Rios
Domingos Sávio Dresh da Silveira
Eugênia Augusta Gonzaga
João Bosco Araújo Junior
José Godoy Bezerra de Souza
Júlio José Araújo Junior
Luciano Mariz Maia
Osório Silva Barbosa Sobrinho
Paulo Gilberto Cogos Leiva
Raphael Luis Pereira Bevilaqua
Ministério Público do Trabalho:
Adriane Reis de Araújo
Carlos Henrique Pereira Leite
Carolina Mercante
Christiane Alli Fernandres
Christiane Vieira Nogueira
Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes
Eliane Noronha Nassif
Elisiane Santos
Fabiano Holz Beserra
Geraldo Emdediato de Souza
Maria Helena da Silva Gunthier
Margaret Matos de Carvalho
Rafael Garcia Rodrigues
Renan Bernardi Kalil
Sônia Toledo Gonçalves
Thiago Gurjão Alves
Tiago Muniz Cavalcanti
Virginia Leite Henrique